Empreendedorismo feminino, sobretudo o de mulheres negras, merece todos os holofotes possíveis, desde os dias retroativos, até a eternidade, pela luta constante de ter que provar algo inerente ao gênero e etnia: a capacidade.
Segundo o Sebrae: “Ser empreendedor significa ser um realizador, que produz novas ideias através da congruência entre criatividade e imaginação”. Eu li e reli algumas vezes essa frase aqui e aparentemente não existe nenhuma conotação de etnia ou gênero. Vocês viram alguma? Então por que esse ainda é um enorme elefante na sala em ambientes corporativos?
Porque as coisas não são tão simples quanto uma afirmação ou outra. O empreendedorismo feminino vai além e representa uma necessidade constante de quebrar paradigmas quanto à capacidade de liderança da mulher. É sintomático porque questiona mais do que presença, questiona capacidade.
Para a mulher negra? Existe uma frase dos Racionais MCs que calha bem à circunstância:
“Tem que acreditar. Desde cedo a mãe da gente fala assim: ‘filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor’. Aí passado alguns anos eu pensei: como fazer duas vezes melhor, se você está pelo menos 100 vezes atrasado? Pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, por tudo que aconteceu. Duas vezes melhor como? Quem foi o pilantra que inventou isso aí?”
É necessário refletir sobre o empreendedorismo feminino, mas principalmente sobre a participação da mulher negra e os desafios que ela enfrenta.
Em 2019, o Sebrae divulgou um estudo sobre o empreendedorismo negro no país. Entre as 9,6 milhões de mulheres que estavam à frente de um negócio, apenas metade desse número representava as mulheres negras (cerca de 4,7 milhões).
Dados respaldados pelo estudo “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas”, que mostra que mulheres negras são ainda mais excluídas dos cargos executivos (1,6%) e da alta liderança (0,4%). Entre os 548 executivos analisados para a conclusão do estudo, apenas duas mulheres negras faziam parte do grupo.
A DJ Miria Alves, que luta pela visibilidade da mulher negra no empreendedorismo feminino, veio ao FS Cast, em um papo com André Barros e Rafael Capelli. Você pode assistir aos insights desse papo na íntegra através deste link e complementar sua experiência de leitura:
Quem é DJ Miria Alves, a “Street CEO”
Empreendedora musical, a “Street CEO” Miria Alves tem 12 anos de carreira como DJ e possui uma bagagem musical extensa. Referência na cena Hip Hop brasileira, a paulistana é conhecida por sua originalidade e habilidade em discotecar nas diversas vertentes do gênero, como o R&B, Dance Hall e Funk.
A DJ conquistou o 2º lugar no campeonato de mixagem da Numark Brasil, foi apresentadora do programa Black TV, da AIITV e se juntou ao grupo D’Quebrada Rap, com quem lançou o CD “Batidas e Rimas”.
Mergulhou ainda mais nos processos de pesquisa e, como resultado, discotecou nos festivais Batom Battle, Satélite e Festival Killing The Beat – Encuentro de Hip Hop em Buenos Aires, na Argentina. Lançou o álbum Mulheriu Clã – Vol. 02, com 14 mulheres e uma faixa riscada por ela: “Lado Leste Acredite”, entrando de vez no circuito Hip Hop.
Miria Alves tem investido em outras áreas da música, uma delas é atuar como curadora em eventos como Sesc Jazz, Braz Elettrica – SP, Battle Force – Nike.
Atualmente, DJ Miria segue dedicada à discotecagem em festas, eventos corporativos e ações publicitárias e na gestão dos seus projetos musicais, a empresária também se especializou em Direitos Autorais e Negócios na música.
Diversidade no empreendedorismo feminino e como DJ Miria Alves promove inclusão para mulheres através da música
“A diversidade sem inclusão é vazia. Criar metas e definir políticas de diversidade nas organizações são movimentos importantes para iniciar esse processo. Entretanto, as ações precisam ser trabalhadas de forma genuína, propondo que as pessoas, independente das características, condições e preferências que possuem, tenham voz e se sintam parte do local onde trabalham”, nos disse Suellen Moreira, Gerente de Marketing do Great Place to Work Brasil, em entrevista ao blog do FS.
O que Suellen quer dizer é que falar sobre diversidade não conta a história toda. Diversidade coloca na porta, mas como falamos, a inclusão garante um lugar na mesa. São duas ideias, uma indissociável da outra, mas que são discutidas separadamente.
Você precisa propagar seu propósito – e se nele contemplar diversidade e inclusão, isso não pode cair no discurso panfletário, em medidas band-aid.
Diversidade é respeitar a pluralidade. Inclusão é sobre pertencimento. Lance de cultura mesmo, lugar onde a diversidade encontra a inclusão. Aquela coisa que, de novo, não é panfletária, não é da boca para fora, não fica só nas palavras. É algo natural, algo já compreendido e seguido em diante. Dada voz e espaço como daria para qualquer outra pessoa dentro de uma empresa.
Com essa pluralidade de vozes – carregadas, cada uma com sua carga histórica, seu contexto -, não teria como o debate não ser rico. Aflora inovação, aflora boas ideias, aflora contrapontos e soluções para todas as perspectivas possíveis.
Diversidade está anotada na mesma página que produtividade e inovação na apostila. Quem fala isso é uma das consultorias mais famosas do mundo, a McKinsey, que fez um estudo sobre o estado da diversidade corporativa na América Latina em 2020.
Foram coletados dados de cerca de 700 empresas (cerca de 4 mil funcionários), no Brasil, Chile, Peru, Argentina, Colômbia e Panamá, e mostra que funcionários, dentro de um ambiente que floresce e colabora com a diversidade, têm probabilidade: 152% maior de afirmar que podem propor novas ideias e tentar novas formas de fazer as coisas; 64% maior de afirmar que colaboram compartilhando ideias e melhores práticas.
Vale lembrar que criar um ambiente para que a diversidade e a inclusão tenham de fato espaço de voz, não significa necessariamente que você está cumprindo com um requisito de uma check list de boas práticas de gestão corporativa do novo mundo. Está mais para o lado de uma virtude do que o de uma tarefa, como ainda é muito visto.
Essa é uma das principais bandeiras levantadas pela DJ Miria Alves. No decorrer da carreira, começou a perceber a importância de criar uma narrativa diferente dentro da cena de DJ’s. Em resposta a isso, resolveu criar a Groovetown, uma produtora destinada a projetos musicais para mulheres.
DJ Miria aproximou seu trabalho à forma como enxerga o mundo, feminista negra interseccional, idealizadora do projeto “TPM – Todas Podem Mixar”, onde realiza diversas oficinas e ações privadas ensinando mulheres a arte dos toca discos.
“O nome TPM é para provocar, escolhi justamente por ser uma reação natural da mulher que é muito mal vista pela sociedade, somos constantemente subjugadas neste período do mês, assim, eu ressignifiquei o nome para algo bom”, disse.
Além de ensinar conceitos teóricos e dicas práticas sobre mixagem, a oficina também se propõe a orientar as mulheres sobre como se sobressair em um mercado ainda predominantemente masculino.
Novas marcas e a pluralidade de discursos das novas gerações
A Geração Z é uma geração hiper cognitiva, capaz de viver múltiplas realidades, presenciais e digitais. Eles transitam por diversas comunidades, não importa a ideologia. Essa geração já nasceu social.
Para se ter uma ideia, de acordo com pesquisa da Socialnomics, eles se sentem mais confortáveis em não ter apenas uma única forma de expressar a própria identidade, o que gera mais liberdade e abertura para entender as diferenças de outras pessoas e outras gerações.
É um pessoal ultra conectado, criativo e não está em busca apenas de autoafirmação. São mais práticos que os millennials. Essa combinação é um combustível poderoso para olhar os problemas sob uma nova ótica e gerar soluções para dores que as pessoas nem sabiam que existiam.
Segundo Miria Alves, é perceptível o avanço do acesso de marcas a públicos periféricos, para dialogar com essa geração social e que trafega por diferentes comunidades. Mesmo que seja um movimento tímido, já é um movimento. Confabula sobre anos atrás em que isso seria impensável – hoje já não. Seus planos são executados com patrocínio.
Marcas que negligenciam essa realidade sentenciam qualquer planejamento que julgue ser estratégico.
Ressignificação de Música Popular Brasileira para Música Preta Brasileira
A música do nosso país é muito rica e devemos esse legado a artistas de diferentes gerações como Pixinguinha, Jair Rodrigues, Sandra de Sá, Jorge Ben Jor, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Leci Brandão, Elza Soares, Mart’nália entre muitos e muitas que podem ser considerados a própria arte.
Hoje, esses nomes tocam com Seu Jorge, Mano Brown, Criolo, Emicida, Djonga, Luedji Luna e DJ KL Jay. Para a DJ Miria Alves, a indústria da música brasileira passa por uma ressignificação do conceito de MPB: Música Popular Brasileira abre espaço para a Música Preta Brasileira.
Esses novos artistas se conectam com as referências atuais e resgatam o respeito pelas lendas do nosso país. Ver Elza e Criolo juntos é uma ode à música. Acessa novos públicos, respeita a fiel base e cria algo de valor novo. Uma combinação saudável para uma transição de bastão consistente e de qualidade de artistas.