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Edson Arantes do Nascimento

Edson Arantes do Nascimento: os passos que coroaram o Rei Pelé

Sumário

“Afortunadamente, no caso do Pelé, a comida de arte que ele oferece atinge o paladar de todos. O futebol é desses raros exemplos de arte corporal e mental que promovem a felicidade unânime, embora dividindo a massa, pois a fusão íntima se opera em torno da beleza do gesto, venha de que corpo vier”, proferiu Carlos Drummond de Andrade, em crônica logo após Edson Arantes do Nascimento marcar o seu milésimo gol.

“O futebol é desses raros exemplos de arte corporal e mental que promovem a felicidade unânime”. Pelé conseguira fazer com que Carlos Drummond de Andrade escrevesse essas palavras depois de dar as 3 primeiras Copas do Mundo das 5 conquistadas pela Seleção Brasileira.

Na Copa do Mundo de 1958, os suecos estranhavam a cor de pele dos jogadores brasileiros. Nunca tinham visto pretos. Chegavam a tocar Pelé para ver se algum tipo de tinta saía. O relato é do próprio, no documentário da Netflix “Pelé”.

Antes de 1958, o Brasil convivia com o fantasma de 1950. O evento que muitos consideram a gênese do “complexo do viralata”. Uma Copa do Mundo em casa, com a chance de mostrar o Brasil para o mundo? E perder na final em pleno Maracanã lotado?

É preciso entender: torcer para o Brasil conquistar o hexacampeonato vem com uma carga de 5 taças levantadas. Em 1958, a carga era a de uma derrota “vexatória”. Entre aspas porque foi assim que todo mundo assumiu a capa. A seleção começava a dar seus primeiros passos.

Esses consolidados na Suécia, das pessoas que não conheciam negros, mas que descobriram com uma atuação de gala por 5×2 contra os próprios donos da casa. Dois gols de Edson, que aos 17 anos se tornara Pelé, grande responsável por trazer a primeira Copa para nossas terras.

Nos tornamos a equipe a ser batida. E entre altos e baixos, durante uma carreira que durou 21 anos, com 1.283 gols anotados, três Copas do Mundo, duas Copas Libertadores da América e dois Mundiais Interclubes pelo Santos Futebol Clube, Pelé mudou as regras do jogo.

Edson Arantes do Nascimento: os passos que coroaram o Rei Pelé

Foi em 1950, atônito, que o jovem Edson tentava consolar seu pai. A seleção brasileira perdera a final da Copa do Mundo para o Uruguai. Edson lhe fez uma promessa aquele dia: “Não se preocupe, pai, eu vou ganhar a Copa do Mundo para nós”, já revelou o atleta.

A primeira oportunidade de Edson com a Seleção Brasileira surgiu em 1957, pelas mãos do técnico Sylvio Pirillo. Então com 16 anos de idade, o jovem do Santos foi convocado para a disputa da Copa Roca, um tradicional torneio amistoso entre Brasil e Argentina.

Um ano depois de sua estreia, Edson estava na lista do técnico Vicente Feola para a disputa da Copa do Mundo de 1958. Se contundiu em um jogo contra o Corinthians e acabou perdendo os dois primeiros jogos do Mundial.

Sua estreia em Copas do Mundo veio na partida contra a União Soviética, no fim da primeira fase. Nas quartas de final, marcou o único gol brasileiro no triunfo por 1 a 0 sobre o País de Gales. Na semi, contra a França, Edson separou os homens dos meninos, embora tivesse ainda 17 anos e assinalou três gols em uma histórica vitória por 5 a 2, recolocando, oito anos depois, o Brasil em uma final de Copa do Mundo.

A consagração de Pelé veio justamente na final da Copa, contra a Suécia. Enfrentando os donos da casa, o Brasil saiu atrás logo aos 4 minutos de jogo. Transformando-se em Pelé, conduziu o Brasil à virada, com dois gols, e ao título mundial. Um deles é, até hoje, um dos mais bonitos gols da história da Copa do Mundo. Cumpriu a promessa feita ao seu pai.

Brasil campeão do mundo. Empurrou o fantasma para lá.

Campeã do mundo, a Seleção Brasileira foi ao Chile em 1962 cheia de expectativas. Afinal, o Brasil reunia boa parte das estrelas que encantaram o mundo na Suécia. Em especial, uma dupla: Pelé e Garrincha. 

No mesmo grupo de Espanha, Tchecoslováquia e México, o Brasil teve uma primeira fase bem complicada no Mundial. Na segunda partida, diante dos tchecos, a seleção perdeu Pelé, com um estiramento muscular. Estava fora do resto do mundial. Coube a Vavá e Mané conduzirem o Brasil a mais um título, com Pelé no grupo. 

Em 1966, a frustração. Mais lesões e dessa vez Eusébio pelo caminho. Brasil, bicampeã e favoritíssima, ficara pelo caminho precocemente em uma realidade que já não era mais sua. Pelé começava a ser contestado fortemente, tal qual nossas grandes estrelas são contestadas hoje.

O peso de carregar um legado vitorioso é maior do que aquele que está construindo. As pessoas passam a esperar algo de você, passam a criar expectativas em cima de você. A eliminação na Inglaterra, no entanto, não seria o capítulo final da história de Pelé na Copa do Mundo. 

Em 1970, Pelé foi titular em todas as seis partidas do Brasil. Foram seis vitórias, com quatro gols e seis assistências do Rei. Ele é, até hoje, o atleta com mais passes para gol em uma única edição de Copa.

Como camisa 10 em um time cheio de camisas 10, Pelé foi o grande líder do tricampeonato mundial. Na final, Pelé teve uma última exibição de luxo, para não deixar dúvidas de seu tamanho dentro do futebol. Uma aula, do começo ao fim. Abriu a vitória por 4 a 1 sobre a Itália, com um gol de cabeça, e deu o passe para o quarto gol, marcado por Carlos Alberto Torres.

Pelé é, até hoje, o único jogador a ganhar três Copas do Mundo. Mais do que isso, foi o camisa 10 da Seleção nas três conquistas do Mundial. Eternizou a 10 amarelinha. No documentário da Netflix, quando questionado sobre o sentimento daquela vitória, respondeu de forma clara e objetiva: “alívio”. Para esses grandes atletas, chegar lá e atingir os objetivos pelos quais sacrificaram tudo, significa simplesmente alívio.

Quando o atleta entra no lugar do jogador

O Pelé era um jogador que tinha algumas características muito avançadas para a época em que jogou, principalmente na parte física. Ele era um jogador que tinha um vigor maior que os outros, muita velocidade, muita explosão. Tecnicamente, também tinha muitas qualidades. Finalizava de direita, de esquerda, cabeceava muito bem. 

Pelé mudou algumas coisas importantes para o esporte. Talvez ele tenha sido o cara que expôs a necessidade de se transformar jogadores de futebol em atletas. Mudou o ritmo do jogo. Ele acabou sendo um marco.

O jogo era mais cadenciado, mais lento. Pelé chegou como um motor, que regia o jogo. Era ele quem controlava a velocidade do jogo, quem dominava a bola durante a partida.

Com as ações controladas, era um jogador absurdamente objetivo. Sempre para frente, sempre agressivo. Buscava o gol incessavelmente e, como meia-atacante, ainda tinha a capacidade de municiar com perfeição seus companheiros de equipe.

Pelé era arco e flecha. Assumia diversas funções dentro de campo, em uma época que tudo era setorizado. Sua flutuação rápida e eficiente, graças ao vigor físico, embaralhava a estratégia dos adversários. Fez jogadas que as pessoas nunca viram e mostrou uma genialidade que evidenciava que Pelé jogava um esporte diferente dos demais.

Diferente não: a frente de seu tempo. Esse vigor físico, essa capacidade atlética do jogador é requisito mínimo hoje em dia. Quem é uma das grandes referências desta geração? Cristiano Ronaldo, a máquina decisiva. Um atleta excepcional, que elevou tal qual Pelé, essa questão da saúde física relacionada à resultados e performance.

O peso de se tornar uma celebridade: o outro lado da fama

Liberdade poética para dizer que Pelé esteve para o Brasil assim como os Beatles estiveram para a Inglaterra. Era um fenômeno nacional. Uma celebridade. Todos conheciam o Pelé. Chegou naquela dimensão que a vida de Edson, de Três Corações, já era inconcebível. O anonimato para ir a espaços públicos não existia mais.

E isso em uma época que não existia redes sociais. Aqui no Brasil, male male rede telefônica. Existia o telefone da padaria. Pelé ultrapassa todos esses limites e se torna o grande rosto do Brasil. Sua carreira deixou de ser apenas “jogador de futebol”. Passa a fazer propagandas, participar de eventos sociais e políticos, ser engolido pela mídia e por aí vai. Pelé até se aventurou pela música.

É a primeira celebridade do futebol brasileiro. É a primeira pessoa que tem que balancear o desempenho esportivo, com uma agenda de figura pública. O lado obscuro da fama, o peso de se tornar uma celebridade. Você não tem um foco, você precisa equilibrar mais pratos que o devido.

A carreira de Pelé é inegavelmente recheada de conquistas, das mais importantes que temos. Mas também é entrelaçada por diversas contradições, entre elas algumas envolvendo falta de posicionamento em questões sobre ditadura militar e racismo.

Mas a questão é que Pelé começou a ser indagado por todas essas questões a partir do momento que trouxe uma Copa do Mundo. Que participou da segunda conquista. Que foi o maior protagonista da terceira, diante de tantos outros protagonistas.  

Antes disso, Pelé era Edson Arantes do Nascimento, o menino que pisava descalço no chão de barro de Três Corações. Que não teve acesso a nada, que não tinha referência de nenhum líder preto, que achava que seu destino era aquilo que sempre lhe fora prometido. Do nada esse mesmo menino se encontra no Palácio Presidencial, apertando a mão da maior autoridade do país? Era uma ditadura, claro, mas não adianta cobrar uma postura de Edson que não condiz com o que a vida pouco ensinara. 

Esse é o lado obscuro da fama. Com ela vem responsabilidades e um compromisso com uma imagem idílica que as pessoas não conseguem manter 100% do tempo, para todo mundo. Uma hora escorrega para um lado, uma hora escorrega para outro. É o preço do tamanho.

É sim uma figura contraditória e um atleta que chegou ao seu nível precisa se conscientizar diante das questões que estão acontecendo com o mundo e com os direitos universais garantidos para cada um. Quem tem acesso a informação não pode se abster. Pelé se absteve em muitos momentos, mas ninguém está em posição de julgar.

Para quem tem sua história de vida, sobreviver diante das circunstâncias sempre foi uma conquista para um menino preto. Assim como é para muitos meninos pretos de hoje, inclusive que jogam também na seleção brasileira.

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