O diretor, roteirista e produtor George Lucas nasceu George Walton Lucas Jr, em 14 de maio de 1944, em Modesto, na Califórnia. Ali foi plantada uma semente que mudaria totalmente o curso do cinema e da cultura pop para sempre. Afinal, o cineasta é o responsável por franquias como Star Wars e Indiana Jones. Pensar em Star Wars, invariavelmente, é pensar em sua épica trilha de abertura e seus elementos visuais futuristas. Pensar em Indiana Jones, invariavelmente, é pensar em um arquétipo do arqueólogo bonitão e aventureiro, que corre de pedras gigantes, e que provavelmente nem existe. Ele colocou uma ideia na cabeça das pessoas com sua obra, mas você sabe de fato qual foi a grande sacada da carreira de George Lucas?
Sua sagacidade vai para além de suas sagas. Desacreditado, o então jovem diretor ouvia mais “não” do que “sim” dos grandes estúdios para deslanchar sua carreira. Sempre vanguardista, numa década de 70 que começava a flertar com pautas progressistas, ele trouxe uma revolução no limite da imaginação que as pessoas conseguiam projetar em uma película. De repente era possível imaginar com fronteiras mais distantes, com uma jornada do herói cheia de reviravoltas. Mas é fácil contar essa história hoje, com US$ 28 bilhões faturados em licenciamento. Difícil era convencer quem tinha aquela velha opinião formada sobre tudo sobre o potencial de investir em algo que ainda não existia.
Ele conseguiu. E ele foi além. Apostou tanto no sucesso de suas narrativas, que deteve os direitos para si mesmo. Esses US$ 28 bilhões, que estão dentro do recorte de 1977 até 2012, quando a Lucasfilm foi vendida para a Disney, não foi para nenhum estúdio. Foi para o homem, o homem que acreditou que era do tamanho dos seus sonhos. Essa é a história e a sacada que te contamos agora.
Os primeiros passos da carreira de George Lucas e o clube de lendas com Steven Spielberg, Martin Scorcese e Ford Francis Coppola
George Lucas, antes de se aventurar pelas câmeras, era louco por carros. Louco por velocidade, por corrida. Acontece que, por obra do destino, ele sofreu um acidente quase fatal antes de sua formatura no colégio. Com o choque, acabou mudando de opinião, mas essa época ainda dá para ver um lampejo de fetiche nas impressionantes corridas de naves na franquia prequel de Star Wars do começo dos anos 2000.
Em um primeiro momento, ele foi estudante da Modesto Junior College, uma faculdade comunitária na cidade onde cresceu. Durante esse período, o jovem estudou assuntos como antropologia, sociologia e literatura.
O interesse por cinema o fez pedir transferência para a Escola de Artes Cinematográficas da Universidade do Sul da Califórnia, uma das pioneiras em cursos sobre o assunto. Produziu seu primeiro curta, já de ficção científica, chamado THX-1138:4EB. O teor experimental e ousado do jovem Lucas chamou a atenção de uma outra galerinha que também estava começando a fazer seus nomes: Francis Ford Coppola, Steven Spielberg e Martin Scorcese. Todos tinham grande interesse em se lançar como os novos cineastas daquela geração.
Nos primeiros anos de sua carreira, o cineasta trabalhou como assistente de produção, operador de câmera e editor de documentários e grandes filmes, entre eles O Caminho do Arco-Íris (1968) e Caminhos Mal Traçados (1969), ambos dirigidos por Francis Ford Coppola. Esse, inclusive, convenceu a Warner a tornar o curta de George Lucas em um longa, que no final das contas foi um gigantesco fiasco.
Apesar de acometido pelo desastre de seu primeiro filme, que chegou nas telonas em 1971, Lucas continuou a trabalhar no seu próximo projeto, “American Graffiti”, agora já chancelado pelo seu próprio selo, a Lucasfilm. Lançado dois anos depois, em 1973, o filme contava com jovens talentos como Ron Howard, Richard Dreyfuss e Harrison Ford. Aqui a história já começava a mudar: o filme, feito com apenas 780 mil dólares, faturou 50 milhões nas bilheterias. Ele foi indicado a cinco Oscars, incluindo Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Diretor para Lucas, e é considerado, até hoje, um dos longas de baixo orçamento mais bem-sucedidos da história. Aliás, esses números eram realmente impressionantes. O grande filme em bilheteria até então era “Planeta dos Macacos”, que faturou incríveis US$ 30 milhões. George Lucas já demonstrava sua força em sua segunda produção.
Naquele mesmo ano, o diretor começava sua quase impossível missão de vender uma ideia totalmente diferente do que existia na época. Lembra que falávamos disso? O que se produzia nos anos 1960 e 1970 nos Estados Unidos era totalmente dentro do gênero policial, de guerra. Coisa de efeito especial não era nem pauta dentro dos estúdios. E lembra que falávamos que George Lucas foi um cara que, até realizar sua visão, ouviu mais “não” do que “sim”? Após ser rejeitado por várias produtoras, incluindo gigantes como a Paramount e Universal, ele conheceu Allan Ledger Jr, que o apadrinhou dentro da Fox, dando o pontapé inicial para a produção de “Uma Nova Esperança”.
Star Wars chega ao mundo, que não estava preparado
O lançamento aconteceria em dezembro de 1976, mas por vários problemas, incluindo falta de orçamento, a desacreditada estreia foi adiada para 1977. Só para efeito de comparação: “O Despertar da Força”, no seu final de semana de lançamento, em 2015, foi projetado em 30 mil salas internacionalmente. O primeiro longa da saga estreou em apenas 32 salas de cinema.
Mas foi um sucesso estrondoso. Tubarão, do seu colega Spielberg, é considerado o primeiro blockbuster da história. Faturou US$ 472 milhões. Star Wars, feito com US$ 11 milhões, arrecadou mais de US$ 513 milhões em todo o mundo. Lucas deu seguimento à história dos Cavaleiros Jedi e o Lado Negro em “O Império Contra-Ataca” (1980) e “O Retorno de Jedi” (1983). No meio tempo, criou a empresa de efeitos especiais Industrial Light & Magic (ILM), assim como um estúdio sonoro, o Skywalker Sound, e começou a ter mais e mais controle sobre o produto final de seus filmes.
É ai que entra a grande sacada da carreira de George Lucas.
Pré-venda e bonecos: como George Lucas se separa da Fox e monetiza a maior saga da cultura pop
Com o grande sucesso da saga, a LucasFilm e a Fox entraram em um daqueles dilemas bons de se ter: como faturar ainda mais com o filme? As duas partes tinham direito de lançar os produtos que quisessem, mas uma vez que alguma delas licenciasse, a outra parte perdia o direito de lançar algo na mesma linha.
A Fox, com sua cabeça quadrada, fez o arroz com feijão: vendeu cartaz, camiseta, boné, broches. Na cabeça de George Lucas, continuava martelando a pergunta: por que fazer algo que todos já fazem? Foi aí que a LucasFilm decidiu licenciar, ter os direitos e lançar, com exclusividade, juntamente com a Kenner, todos os brinquedos do filme: o faturamento na época foi de US$ 200 milhões em bonecos.
Sabendo do público que seria atingido por seu filme, Lucas se antecipou e deu aos fãs o que eles mais queriam: a oportunidade de levar para casa os personagens que recentemente começaram a amar.
Com o grande sucesso do filme, no natal de 1977, os brinquedos esgotaram e a demanda era muito grande para os fabricantes fazerem a reposição dos que já haviam sido vendidos. George Lucas se contentou com o grande sucesso já feito? Ele sentou e ficou esperando o tempo que os fabricantes pediam para fabricar os pedidos? Não, ele começou a vender caixas vazias e vale bonecos, criando assim a primeira pré-venda da história.
Entre 1977 e 1978, George Lucas faturou US$ 100 milhões em licenciamento. De 1977 até 2012, quando a Disney comprou os direitos da Lucasfilm por US$ 4 bilhões, esse número estava na casa dos US$ 28 bilhões.
A carreira de George Lucas é marcada por uma mente criativa incessante
Antes de lançar o primeiro episódio de Star Wars, Lucas escreveu a história The Adventures of Indiana Smith, uma versão moderna dos clássicos dos anos 1930 e 1940. Com a ajuda do roteirista Philip Kaufman, ele desenvolveu o roteiro do que viria a se tornar Os Caçadores da Arca Perdida, o primeiro filme da franquia “Indiana Jones”.
O longa sobre o arqueólogo contratado pelo governo norte-americano para encontrar uma relíquia antes dos nazistas demorou quase uma década para ser gravado, mas quando a hora chegou, estava tudo nos conformes: Steven Spielberg, amigo de faculdade de Lucas, foi chamado para dirigir, e Harrison Ford, colaborador de longa data de Lucas, foi escolhido para viver o protagonista. Os Caçadores da Arca Perdida fez um baita sucesso e inspirou outros quatro filmes lançados na década de 1980 e, mais recentemente, em 2008.
George Lucas está no panteão do cinema, e o mais importante, da indústria cinematográfica
São de pioneiros que a gente deve se espelhar. São de caras como esse, que ditam o rumo com o qual a indústria segue. Na música aconteceu do mesmo jeito, com o surgimento dos grandes “frontman”, homens de palco, com presença de palco, que reuniam multidões e começaram a fazer contratos milionários. Surge a figura então dos agentes de banda e a indústria muda, o poder muda. Peter Grant, por exemplo, catapulta a mística do Led Zeppelin mundialmente e começam as grandes turnês. Antes deles, os Beatles movimentam a Beatlemania, uma expressão cultural.
A carreira de George Lucas influencia nesses dois aspectos. Ela pega a expressão cultural e ela pega a turnê mundial. Ela é um fenômeno lendário, pioneiro. Star Wars marca uma geração. Indiana Jones é um sucesso tão gigantesco quanto. São o tipo de obra que estão no Louvre, guardadas para o suprassumo da experiência nostálgica e de uma escola de cinema. Uma escola de cinema liderada também por Spielberg, de ET e Tubarão; Francis Ford Coppola e seu icônico Poderoso Chefão; e Martin Scorsese, dos classissíssimos Taxi Driver e Touro Indomável. O grupo de lendas que formaram juntas a Nova Hollywood, que inspirou tantos gigantes depois deles, como Quentin Tarantino.
Se alguém batesse na porta com o roteiro de Tiger King, o documentário de 2020 da Netflix, e vendesse como se fosse uma ficção na década de 70, ele provavelmente tomaria um grande não na cara. Porque tem certas coisas que as pessoas não estão dispostas a aceitar o risco. Mesmo que seja uma história maluca, cheia de reviravoltas e emoções, que te prende até o final, é mais fácil fazer o básico. É mais fácil replicar a formulinha. O autoral, investir na visão de uma pessoa sobre um determinado universo, naturalmente vai contra as suas próprias percepções sobre aquele universo. Tem que alinhar muito as estrelas para alguém preparar o terreno para o outro ir lá e expressar seu ofício como de fato deve ser.
E a carreira de George Lucas não tem muito dessa de liberdade para fazer o que quiser não. Ele lutou. Assim como nós não temos muita liberdade para assumir riscos a hora que bem entendermos. É uma balança que sempre precisa estar em equilíbrio. Precisamos lutar, assim como ele. Lutar pela ousadia, pelo que acreditamos. Tem muita corrente que segura para baixo, muita gente que diz não.
Um faroeste espacial enquanto o mundo ainda segregava as pessoas por muros físicos ao redor do mundo? A arte é um ato de rebeldia. Trabalhar com aquilo que você maneja como sua arte e querer crescer na vida é fazer coisas que mudem o mínimo. Mudem a vida de pessoas. Mudem o curso de uma tecnologia. Influencie movimentos. Crie uma comunidade, gere valor. Tenha um propósito que seja capaz de impactar vidas.
É isso que a carreira de George Lucas nos ensina. A sagacidade da saga. A sagacidade para além da saga. Como construir a história do cinema, enquanto capítulo, enquanto indústria. Um dos personagens que jamais será esquecido. Que a força esteja com vocês, porque para enfrentar todos os desafios que esse caminho tortuoso nos presenteia, equilibrar todos os pratos, só com treinamento Jedi! Mas vamos para frente!
Mudar as coisas não é um privilégio de alguns. Alguns têm mais oportunidades que os outros, isso é fato. Mas mudar as coisas é proporcional ao tamanho do universo que você tem na sua cabeça para contar.