Zachary Edward Snyder nasceu em 1966 e foi criado na cidade de Greenwich, no estado de Connecticut, Estados Unidos. George Lucas era seu tótem e Star Wars sua religião, como boa parte de sua geração. Você sabe quem é Zack Snyder, o diretor que fez Hollywood ceder ao clamor público?
O cinema e sua capacidade de extrapolar a imaginação – da criação e de como criar – abriram os caminhos de Snyder para a carreira como diretor. Estudou design na faculdade, em Pasadena, na Califórnia, onde, inclusive, se tornou colega de sala de Michael Bay, diretor conhecido por seus trabalhos na franquia Transformers.
Em 1989, o cenário era de um Zack Snyder já graduado e com vários trabalhos dirigindo comerciais – para marcas como Budweiser, Nike e BMW – recheando seu currículo.
Na década de 2000, o diretor publicitário se torna o diretor de Hollywood que conhecemos. Contratado pela Universal Pictures, Snyder lançou “Madrugada dos Mortos” (2004), um remake do clássico de 1970, dirigido por George Romero.
O filme fez um baita sucesso e convenceu a Warner a dar um voto de confiança em Snyder para produzir “300” (2006), uma adaptação do quadrinho de Frank Miller e da clássica história dos espartanos nas Termópilas. É com “300” que o diretor consagra o estilo que abriria seus caminhos no cinema.
O longa fez quase meio bilhão de dólares ao redor do mundo e garantiu um projeto ainda mais ambicioso para Zack Snyder: Watchmen. A obra de Alan Moore ganhou destaque pelo simbolismo, pela profundidade e principalmente por retratar super-heróis falhos, humanos, sem nenhum tipo de maniqueísmo, em contraposição aos consagrados perfis heróicos idílicos que popularizaram o gênero décadas antes.
“Watchmen” (2009) é lembrado ao lado de contemporâneos como “Homem de Ferro” (2008) e “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008). Watchmen acabou não sendo um grande sucesso de bilheteria, mas foi fundamental para elevar o status de Zack Snyder como diretor, principalmente pelo refino artístico.
Depois de um trabalho ou outro mais insosso, mas ainda bem cotado dentro da Warner, foi o diretor escolhido para tocar o projeto cinematográfico da DC Comics, em resposta ao meteórico universo compartilhado da Marvel nas telonas. Àquela altura, a Marvel já havia construído e consolidado seus principais heróis, apontando para a grande apoteose que viria a acontecer com o primeiro “Vingadores” (2012).
O começo do universo compartilhado DC, a tragédia pessoal e a Liga da Injustiça
O primeiro trabalho de Zack Snyder com o universo cinematográfico da DC Comics foi “Homem de Aço” (2013). Por mais que o diretor tenha sido contratado por suas adaptações anteriores, suas características técnicas – que sempre abusaram do close e da câmera lenta – foram preteridas por uma linguagem mais próxima dos filmes de Christopher Nolan.
A Warner queria manter uma unidade entre suas produções, mesmo que estivesse começando um novo universo, com atores diferentes, em versões diferentes. O resultado foi um misto de opiniões, para um Superman sombrio e realista. Sua “versatilidade” lhe garantiu créditos para continuar com os personagens da DC Comics.
Logo após o lançamento de “Homem de Aço”, na San Diego Comic Con daquele mesmo ano, Zack Snyder estava no palco do Hall H para revelar que seu longa com o super-herói mais famoso do mundo teria uma sequência. Uma sequência estrondosa – em todos os pontos de vista.
Batman v Superman: a Origem da Justiça
Não tem como arrepiar: o Morcego e o S. Um contra o outro. O anúncio desses dois simbolismos é de arrepiar. Confere esse vídeo:
A sequência de fatos que sucedem esse fervor começam a colocar algumas perguntas na cabeça dos fãs da DC.
Ben Affleck é escalado para viver o Batman, escolha inicialmente controversa, mas que depois de suas atuações acabou se provando, no mínimo, eficiente. Gal Gadot iria colocar os braceletes da Mulher-Maravilha, outra escolha que precisou de um longa para galgar seu espaço e ganhar as graças do público.
O mais polêmico foi Jason Momoa para o papel de Aquaman. Completamente fora do imaginário criado para o super-herói ao longo de toda sua trajetória nos quadrinhos, esse sim, foi a maior reviravolta da Warner e fez a maior bilheteria para um personagem da DC Comics – principalmente em um momento que deram mais liberdade criativa aos seus diretores e colocaram o projeto nas mãos do competente James Wan.
Ezra Miller ainda havia sido escalado para interpretar o Flash e o ator Ray Fisher, o Ciborgue. As exceções: escolhas que não foram muito contestadas pelo público e pela mídia. Antes mesmo do lançamento de “Batman v Superman”, já era confirmado os planos de tornar esse um universo expandido e compartilhado, tal qual o da Marvel.
Paralelo ao projeto de Snyder, “Esquadrão Suicida” (2016) começava a ganhar forma – e iria introduzir vilões como Arlequina e Coringa. Para os papéis, Margot Robbie e Jared Leto, uma unanimidade e outro um poço de polêmica. Enquanto Robbie incorporou o caos da personagem, Leto parecia apenas uma caricatura barata de um dos maiores vilões do cinema.
Todas as escolhas de elenco foram feitas por Zack Snyder. O diretor tinha uma visão e começava a orquestrar os primeiros passos para o seu grande plano chamado Liga da Justiça.
“Batman v Superman” é lançado em 2016 e fica marcado por um plot twist extremamente duvidoso e que abre espaço para um terceiro ato mais duvidoso ainda. A pretensão de Snyder é um passo maior que a perna e ele entrega uma obra remendada, que nada homenageia os quadrinhos.
Mais, inicia o universo cinematográfico da DC Comics pelo ato final. Não existe construção. Existe um monte de coisa enfiada goela abaixo para aceitar uma demanda comercial. O longa não arrecadou o planejado pela Warner e foi extremamente criticado pela mídia.
O relacionamento Warner e Zack Snyder começa a ficar insustentável nesse ponto. A Marvel acabava de lançar “Capitão América: Guerra Civil” (2016), uma das maiores bilheterias da história. O estilo e o tom da Casa das Ideias dominavam o gênero de super-heróis – e engolir a Martha não era o suficiente para quem era realmente fã da DC Comics.
Ainda assim, a DC se manteve firme e bancou Snyder para o também “apoteótico Liga da Justiça”.
Liga da Injustiça: o “fim” da linha para Zack Snyder
Zack Snyder recebe “Liga da Justiça” com um banquete cheio de polêmicas. “Esquadrão Suicida” (2016), dirigido por David Ayer, é um desastre completo. A enorme intervenção da Warner no corte final surgiu como a justificativa mais plausível para o fracasso colossal do filme.
“Mulher-Maravilha” (2017), dirigido por Patty Jenkins, foi importante pela representatividade, mas enquanto longa fez um feijão com arroz e ficou no famoso muro. Não se queimou, mas também ficou longe de agradar.
Snyder, naquele mesmo 2017, completamente imerso na produção de “Liga da Justiça”, recebe a notícia da morte de sua filha Autumn, que tinha apenas 20 anos. Má relação com a Warner, bombardeado constantemente por críticas e tendo em mãos um projeto tão grande quanto aquele, o diretor cede e acaba se afastando para estar com a família. Aquele cabo de guerra perdeu o sentido.
Quem assume a direção é Joss Whedon, consagrado pelos primeiros dois longas de Vingadores. E da mesma forma que foram entregues os últimos longas da DC Comics, sua apoteose veio remendada, muito distante da visão do diretor original.
O que era, ao mínimo controverso, nas mãos de Zack Snyder, na mão de Joss Whedon se tornou sem sal, sem brio. A primeira vez que víamos os maiores heróis da DC juntos nas telonas foi um completo fiasco, sem peso algum, sem noção de distribuição de personagens. Não era um filme de equipe.
O resultado foi um fracasso de bilheteria e de crítica – com apenas 23% de resenhas positivas, segundo o Rotten Tomatoes. Fãs da DC, então, creditaram a decepção ao novo diretor e iniciaram pedidos para o lançamento da versão de Zack Snyder.
Snyder Cut e o triunfo dos fãs
Eis que surge o tal do Snyder Cut, anos depois, e o nome desse diretor volta aos arautos do cinema, transformando o modo como fãs e produções se relacionam. A versão do diretor só existe por conta de uma intensa mobilização dos fãs da DC nas redes sociais.
Durante anos e meses, a campanha #releasethesnydercut fez a Warner ajoelhar e criou um fenômeno da cultura pop. O próprio Zack, por sua vez, sempre deixou claro que adoraria terminar sua versão do filme para que os fãs pudessem ver.
Divertia-se mostrando para os mais próximo uma montagem bruta de sua versão, em preto e branco, sem efeitos visuais ou trilha sonora e com aproximadamente quatro horas, que havia carregado consigo em um notebook.
“Alguns amigos próximos, que trabalharam no filme, sempre diziam: ‘ah, talvez a gente largue um pen-drive [com o arquivo digital] em algum lugar para um fã encontrar’”, revelou ao The New York Times.
Até que, em 2019, terceirizou para as mãos da Warner a responsabilidade de acontecer. Foi o combustível necessário para ampliar a pressão dos fãs.
Mas dependia do estúdio. Produtoras sempre usando de todas as estratégias para engajar seus públicos, com novas tecnologias e no controle do processo. Dessa vez a Warner passou a ter que negociar e administrar sua marca nas redes sociais e o relacionamento com a base de fãs.
A campanha não ficou só na internet. Em 2019, os fãs criaram uma campanha de marketing dedicada a espalhar a palavra do Snydercut. Espalharam outdoors e vários posters pelos pontos de ônibus de San Diego. Tudo isso enquanto rolava a principal Comic Con do mundo.
A campanha #ReleaseTheSnyderCut começou a ganhar cunho social. Todo o dinheiro arrecadado com a venda das camisetas de apoio ao movimento seriam revertidas em doações para instituições e organizações que previnem o suicídio de jovens ao redor do mundo.
Um ano depois do lançamento de Liga da Justiça nos cinemas, os atores aderiram ao movimento e pediram pelo lançamento do Snydercut.
Se tornou inevitável Warner, pediram o homem. Uma coisa prevaleceu do status quo: produtoras sempre usando de todas as estratégias para engajar seus públicos, mas dessa vez sem o total controle do processo.
A volta por cima: filme de Zack Snyder faz crítica apagar versão de Joss Whedon
A Warner ainda conseguiu ser cara de pau e oferecer, inicialmente, que aquela mesma montagem bruta no HD do computador de Snyder fosse disponibilizada. Era uma forma de entregar algo incompleto, a pedido dos fãs, em uma estratégia para canalizar possíveis críticas.
Snyder bateu o pé até conseguir um orçamento de cerca de US$70 milhões para, enfim, concretizar o que havia planejado. O HBO Max estava chegando, olharam para oportunidade e… o Snyder Cut viria a se tornar o principal produto do serviço.
Quem sai melhor na foto é o diretor. A grande Warner cedeu à visão artística. Snyder protagonizou uma histórica volta por cima no cinema, mas com a grande vitória elucidada na frase que encerra sua obra, tida pelo público e pela crítica como a verdadeira Liga da Justiça: “For Autumn”.